Por Júlia Sancho
Há algo muito bonito quando nos reunimos para estudar o yoga — não apenas praticar, mas ir na raiz, lá onde tudo começou. As escrituras.
Nos tempos de hoje, parece que nos afastamos um pouco disso, não é? Estamos muito focados no que vemos: o corpo, as posturas, as formas. Mas o yoga começa quando mergulhamos no que sentimos.
As escrituras são o alicerce que sustenta o caminho, o processo, a transformação. São elas que lembram o porquê estamos aqui.
Tradicionalmente, o estudo do yoga não se faz sozinho. Ele é transmitido de mestre para aluno, de professor para discípulo — uma corrente viva que, em sânscrito, chamamos de paramparā (परम्परा).
Essa linhagem mantém a essência viva, mesmo quando o conhecimento se transforma em sabedoria pessoal.
Na minha experiência, o professor não é apenas alguém que ensina — é também um amigo. Alguém com quem você pode trocar, compartilhar dúvidas e descobertas. Essa proximidade torna o caminho mais humano, mais presente, mais real.
o estudo sobre si
O estudo do yoga é, acima de tudo, um estudo sobre nós mesmos — sobre nossos comportamentos, tendências e curas e processos.
Patañjali diz, logo no segundo sutra do Yoga Sūtra:
yogaḥ citta vṛtti nirodhaḥ
Yoga é o estado em que a mente cessa suas flutuações.
Ou seja, o yoga é um estado, e não apenas uma prática.
As técnicas — āsana, prāṇāyāma, meditação — são caminhos que nos conduzem a esse estado de quietude.E esse estado não é permanente; ele oscila. Às vezes o tocamos por um instante, às vezes nos afastamos — e tudo bem, é sempre momento de reconhecer, voltar e recomeçar.
Segundo Patañjali, esse caminho se aprofunda à medida que a mente aprende a focar em um único ponto (ekāgratā), depois se aquieta (nirodhaḥ), até que, em raros momentos, toca o samādhi.
Acho curioso como, no dia a dia, nos relacionamos com a mente de uma forma aprisionada. Damos tanto poder a ela que esquecemos que ela é apenas um veículo — e não o centro da existência.
Acho bonito ao lembrar de Krishnamacharya que costumava apontar para o coração quando falava sobre a mente, diferente né? pois ele se referia a nossa inutuição a mente citta “mente-coração”.
É essa mente intuitiva que o yoga nos convida a conhecer, acessar e ouvir.
escutar o coração
Como é difícil, às vezes, escutar o que realmente sentimos, não é?
Quantas vezes a intuição sussurra, mas decidimos calá-la para seguir o barulho dos pensamentos?
Essa desconexão aparece nas escolhas cotidianas, nos rumos da vida, na busca pelo que chamamos de “propósito”.
Mas essa palavra, tão usada, perdeu um pouco de sua força original.
Na tradição védica, existe uma palavra muito mais profunda: dharma — da raiz dhṛ, que significa “sustentar”.
É o princípio que sustenta a vida, o universo e cada um de nós.
Como cada ser é único, ninguém tem o mesmo dharma. E é daí que nasce o svadharma, o seu próprio dharma — o que é natural e verdadeiro em você, o seu próprio caminho a seguir.
Mas o dharma nem sempre é bonito, fácil ou encantador. Ele é, simplesmente, o que você veio fazer aqui.
E para reconhecê-lo, é preciso svādhyāya — o estudo de si mesmo, a auto observação constante para reconhecer o seu caminho e daí caminhar.
para encerrar
Estudar o yoga é lembrar que o caminho não é apenas sobre corpo e forma — é sobre presença, escuta e verdade.
É sobre viver o que é seu, e não o que esperam de você.
É sobre honrar a linhagem, mas também transformar o conhecimento em sabedoria viva, respirada, sentida.
Que possamos seguir estudando juntos, mantendo viva essa chama antiga — e que, de alguma forma, sempre nos reconduz ao coração.
com carinho,
júlia

